quinta-feira, 31 de maio de 2007

COMO A GENÉTICA EXPLICA A LINGUAGEM DA CRIANÇA





Rafael lira Gomes Bastos


O presente estudo propõe uma apreciação do processo de desenvolvimento e aquisição da linguagem segundo a ótica dos estudos inatistas formuladas pelo lingüista norte americano Noam Chomsky. Entendendo-o na perspectiva da linguagem ser uma herança biológica do ser humano, capaz de adquiri-la e desenvolvê-la através das suas competências e habilidades inatas. É neste diálogo, dessa estruturação dedutiva, que o presente discurso à cerca do que é, de como esse conhecimento lingüístico emerge, se existe uma capacidade inata e de que modo desenvolve-se em nós a linguagem
A língua(gem) é uma característica eminentemente humana, capaz de tornar o ser humano político, social, munido de civilidade, assim como o homem, os demais animais possuem a voz, mas não a palavra, responsável por exprimir o bem e o mal, o justo e o injusto.
A necessidade de comunicar-se, expressar-se, fez com que surgisse a língua(gem) humana, através dela o homem tem força para criar e recriar o mundo segundo seus mitos, “e deus disse: Faça-se!”, e foi feito.
Para expressar melhor o poder da língua(gem), diz Marilena Chauí (2001, p.136), interpretando as palavras de J. J. Rousseau : “A palavra distingue os homens e os animais; a linguagem distingue as nações entre si. Não se sabe de onde é um homem antes que ele tenha falado”.
Devido essa importância ímpar que a linguagem exerce sobre a vida e relações humanas que surgiu a lingüística e, posteriormente a psicolingüística, que se voltaram para o estudo sistemático desta.
A psicolingüística é o ramo da lingüística, que tem como um dos seus objetos de estudo o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, apesar de ser uma ciência ainda bastante jovem, já dispõe de um apanhado de idéias que nos ajudarão a compreender melhor como a criança até três anos adquire e posteriormente desenvolve sua língua(gem) materna.
Nessa dimensão surgirão duas concepções psicológicas/ filosóficas que deram atenção especial na tentativa de explicar fatos lingüísticos infantis, são elas o behaviorismo/ empirismo e o racionalismo/ inatismo. Sendo que, o behaviorismo será, por enquanto, nosso objeto de estudo nesse trabalho.
O leitor acompanhará no decorrer desse artigo, breves concepções sobre o inatismo chomskiano, dando-o nova dimensão e diferenciando-o do inatismo grego, já ultrapassado em nossa época. Verá que para essa tese, a linguagem é adquirida de forma inata, ou seja, os homens, nascem com uma aparelhagem herdada biologicamente para desenvolvermos a linguagem, somos dotados de estruturas gramaticais universais que por isso somos capazes de formular sentenças na língua mãe dependendo somente da nossa intuição e criatividade.
O inatismo derruba completamente as teses behavioristas, que dá papel preponderante ao meio para a aquisição da linguagem e, coloca-nos de frente a problemas filosóficos, psicológicos e lingüísticos que nos ajudarão a compreender melhor o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem.

A LINGUAGEM COMO CONHECIMENTO NATO

Na filosofia da Grécia antiga, nasceram as idéias do conhecimento inato, que já, não exercem hoje grande influência dentre os pensadores modernos, a não ser, no tocante ao campo da língua(gem), na sua aquisição e desenvolvimento.
Quando falamos de inatismo lingüístico não podemos deixar de citar Noam Chomsky, já que foi ele seu formulador e maior teórico, conhecido também por ser estruturalista e naturalista, rompendo com a visão da linguagem como convenção social, para a linguagem como parte da natureza humana e não da sociedade, isto é, inata.
Conscientes de que o inatismo chomskiano, vai além do simplifismo grego, vamos analisar o que diz Sócrates e Platão, comentado por Campos (2005, p. 16):

1. SÓCRATES - O conhecimento preexiste no espírito do homem e a aprendizagem consiste no despertar esses conhecimentos inatos e adormecidos. 2. PLATÃO – [...] A alma está sujeita a metempsicose e guarda a lembrança das idéias contempladas na encarnação anterior que, pela percepção, voltam a consciência.

Prosseguimos abordando o tema numa concepção moderna, rompendo com esses paradigmas, que segundo a visão do lingüista americano, ainda presente fisicamente em nosso meio, seria na qual o inatismo lingüístico compreenderia uma visão mais complexa, onde o organismo nasce pré – disposto a linguagem, ou seja, nascemos, os seres humanos, com uma gramática universal que nos permite sermos competentes em qualquer realidade lingüística até os três anos de idade, como complementa Del Ré (2006, p.19) “ao estabelecer uma relação entre linguagem e mente, pressupõem-se a existência de uma capacidade inata que subjaz o processo de aquisição”.
Chomsky opõem-se a explicação behaviorista para entender a aquisição da linguagem, dizendo que ela é adquirida através das experiências empíricas, nos processos de estímulo - resposta, condicionamento, memorização e repetição. O lingüístico, por sua vez, acentua em seus trabalhos a criatividade e sua importância no comportamento humano, na qual se mostra claramente na linguagem. (Lyons, 19??)
Depois dessas explicações preliminares, para entendermos melhor a contribuição do inatismo e das idéias de Chomsky no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, vejamos o próximo tópico.

TESES INATISTAS SOBRE A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

O surgimento da modernização dos Estados Unidos da América, na segunda metade do século XX, a emergência das ciências cognitivas, fez, também surgir novas bases para a lingüística, que se firmava como ciência pelas mãos de Chomsky, que trabalhava a linguagem numa nova perspectiva, mais individual do que social, estruturada, natural e inata.
O inatismo atualmente é uma das teorias mais aceitas para se entender o universo do processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, um dos fatos notáveis a cerca da linguagem é a sua ‘criatividade’- a circunstância de aos cinco ou seis anos de idade as crianças serem capazes de produzir e entender um número indefinidamente grande de elocuções das quais não tinham tido prévio conhecimento Chomsky jogou por água abaixo as teses behavioristas para a aquisição e desenvolvimento da linguagem, a primeira no que se refere a imitação, argumentou que [...] “as crianças produzem muitas frases que jamais poderiam ter ouvido adultos produzirem” (KAUFMAN, 1996, p.58), como é o caso das crianças americanas, que fazem uso das regras da formação dos verbos regulares no pretérito para os irregulares, falando taked ao invés de took, mesmo jamais nunca ter ouvido ninguém falar dessa maneira.
Em segundo lugar destrói o papel da prática ou imitação, “as crianças, que não consegui imitar, devido a prejuízo neurológico ou físico, ainda aprendem a entender a linguagem e a comunicar-se” (KAUFMAN, 1996, p. 59).
E por fim, em terceiro lugar, a teoria do reforço positivo ou negativo, fica totalmente inutilizada, pois, “[...] já foi indicado que as crianças não parecem receber correções com muita freqüência” (KAUFMAN,1996, p.59), serve como exemplo, em alguns casos a não pronuncia do fonema /r/, como acontece na palavra Taperuaba, pronunciada: /t/ /a/ /p/ /e/ /r/ /u/ /a/ /b/ /a/, pelos adultos e, /t/ /a/ /p/ /e/ /u/ /a/ /b/ /a/ por algumas crianças. Mesmo recebendo o reforço para falar da forma convencional “[...] isso não parece ser muito eficaz em mudar o enunciado da criança, quando a forma correta está acima de seu conhecimento gramatical” (KAUFMAN,1996,p.59).
Sendo assim Chomsky nos propõe uma metáfora para compararmos o processo inatista de aquisição da linguagem chamada metáfora da fechadura, explicada por Del Ré (2006, p. 20): [...] cada criança nasceria com uma fechadura, pronta para receber uma chave; cada chave acionaria a aquisição de uma língua diferente, daí todas nascerem com a mesma capacidade e poderem adquirir as mais diferentes línguas.
A mesma autora (2006, p. 20) nos propõe três perguntas que vamos tentar elucidá-las, ela invoca “Mas como isso acontece? Como esse conhecimento lingüístico emerge? Se existe então uma capacidade inata, como se chega a isso?”
Ora, Chomsky usa o conceito de gramática Universal, que tenta explicar a organização das línguas nos seus aspectos em comum “de acordo com essa proposta, a criança tem uma Gramática Universal (GU) inata que contém as regras de todas as línguas, e cabe a ela, criança, selecionar as regras que estão ativas na língua em que está adquirindo”.(SANTOS, 2002, p. 221).
Como a linguagem é algo biologicamente determinado, dentro de uma Gramática Universal, estrutura de todas as línguas, para os psicólogos Krech e Crutchfield (1980, p. 119-120): “Alguns pesquisadores sugeriram que, nos dois ou três primeiros meses de vida, os nenês, emitem todos os sons que a voz humana pode produzir, inclusive os sons vibrantes do francês e os sons guturais do alemão. No início estão os sons universais!”. E ainda: “com exceção de cinco consoantes, a amplitude de vogais, ditongos e consoantes, anotadas no grupo de crianças surdas, incluem todos os sons da língua inglesa normal” (HEIDER,1940,apud, KRECH e CRUTCHFIELD, 1980, p. 120).
Porém, depois de alguns meses, no contato com os falantes nativos, as crianças começarão a descartar os sons inúteis para a sua língua materna, e assim do mesmo modo em que os bebes nascem biologicamente dotados de todos os fonemas que o ser humano pode produzir de forma universal, também possui, em sua mente as estruturas de organização da fala, impedindo que elas cometam erros absurdos, como, por exemplo, na formulação do enunciados.
Chomsky trata em seus trabalhos do conceito de (a) gramaticalidade, levando em conta a intuição, criatividade e competência inata do falante, isto é, possuímos um conhecimento a priore sobre o funcionamento lingüístico geral, esclarecido na palavra de Del Ré (2006, p. 20) “[...] faz parte de sua competência lingüística saber quais os princípios envolvidos na estruturação de sentenças de sua língua é o fato de até mesmo crianças não cometerem certas violações do tipo ‘* Casa ir não eu posso para (Eu não posso ir para casa)”.
A criança dotada da Gramática Universal, possuindo um certo nível de (a) gramaticalidade, é possível a ela gerar novas e infinitas sentenças, mesmo que nunca as tenha ouvido antes, através de sua intuição e habilidade, consegue desenvolver o artefato que sempre esteve latente em seu cérebro, chamado de linguagem, daí Chomsky dar o nome a esse processo de gramática Gerativa Transformacional.
Parece-nos até aqui, ser indiscutível todos esses conceitos, porém fica-nos a reflexão, que parte do preceito de que se tudo (no campo da linguagem) é herança biológica, a criança não pode ou não é compreendida como sujeito ativo do processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, Chomsky, infelizmente, não leva em conta o papel do conhecimento adquirido no aprendizado da língua pela criança (DEL RÉ, 2006).
Todavia, não podemos deixar de acentuar que definitivamente “a linguagem como capacidade de expressão dos seres humanos é natural, isto é, os humanos nascem com uma aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite expressarem-se pela palavra” (CHAUÍ, 2001, p. 140).
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CONCLUSÃO

Ao falarmos atualmente no tema aquisição da linguagem, podemos tomar somente dois caminhos, ou estamos a favor de Chomsky, ou contra ele, mas nunca em matéria de linguagem podemos estar sem Noam Chomsky.
Sendo assim, esse artigo mostrou como a linguagem é adquirida e se desenvolve na concepção inatista, inaugurando uma nova era para a lingüística, que surgiu para derrubar as então teorias do behaviorismo, numa visão mais complexa e mental admitindo que já nascemos com todo um aparato físico e biológico necessário para nos comunicar através da língua.
O inatismo faz grandes e novas reflexões sobre o caráter inato da linguagem, leva em conta a criatividade criadora da criança e sua capacidade de produzir infinitas sentenças na língua materna, mesmo não tendo ouvido ninguém falar desse ou daquele jeito antes.
Portanto, se Chomsky não lançou a principal teoria sobre o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, ainda aguarda uma explicação mais palpável para entendermos de que maneira a criança em tão pouco tempo consegue se tornar um falante de uma determinada língua, se não for por já nascer capaz de desenvolver a linguagem.

BIBLIOGRAFIA

1. CAMPOS, D. M. de S. Psicologia da aprendizagem. 34º edição. Petrópolis, Vozes, 2005.
2. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 12º edição. 4º impressão. São Paulo: Ática, 2001.
3. DEL RÉ, A. Aquisição da linguagem: uma abordagem psicolingüística. São Paulo: Contexto, 2006.
4. KAUFMAN, Diana. A natureza da linguagem e sua aquisição. In GEBER, Adele. Problemas de aprendizagem relacionados à linguagem: sua natureza e tratamento. Tradução de Sandra Costa. Porto alegre: Artes Médicas, 1996.
5. KRECH, d; CRUTCHFIELD, R. Elementos de Psicologia. Tradução de Dante Moreira Leite e Miriam L. Moreira Leite. 6º edição. São Paulo: Pioneira, 1980.
6. SANTOS, Raquel. A aquisição da linguagem. FIORIN, José Luís (org.). Introdução à lingüística: I. Objetos Teóricos. São Paulo: Contexto, 2002.

Rafael lira Gomes Bastos faz parte do Grupo de Estudos Lingüísticos e Sociais(GELSO), coordenado pelo professor Vicente Martins, da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Ceará.

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