sábado, 17 de maio de 2008

A avaliação da compreensão leitora





Vicente Martins
A avaliação da compreensão leitora para as crianças disléxicas, disgráficas e disortográficas, na língua portuguesa, é de fundamental importância para o diagnóstico preciso das dificuldades lectoescritoras dos portadores de necessidades educacionais especiais relacionadas com a linguagem escrita.

Em que consiste a compreensão em leitura? Consiste em os educandos aplicarem processos de compreensão diante dos textos escritos, seja pela via da decodificação (transformar os signos gráficos em fala ou em leitura ou codificando (transformar a fala em signos alfabéticos, portanto, em escrita).

A decodificação leitora, como vimos, nas lições anteriores, relaciona-se com a relação signos alfabéticos e sons da fala. Os grafemas foram definidos como “unidade de um sistema de escrita que, na escrita alfabética, corresponde às letras (e também a outros sinais distintivos, como o hífen, o til, sinais de pontuação, os números etc.), e, na escrita ideográfica, corresponde aos ideogramas” enquanto os fonemas como sendo “unidade mínima das línguas naturais no nível fonêmico, com valor distintivo (distingue morfemas ou palavras com significados diferentes), porém ele próprio não possui significado (p.ex., em português as palavras faca e vaca distinguem-se apenas pelos primeiros fonemas/f/ e/v/).

Convém ressaltar que não podemos confundir fonemas, sons da fala, com as letras dos alfabetos, porque estas, freqüentemente, apresentam imperfeições (equívocos) e não são uma representação exata do inventário de fonemas de uma língua (biunívocos). Esse princípio alfabético (
http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v22n1/v22n1a17.pdf )é chamado correspondência grafema-fonema (http://www.iep.uminho.pt/psicognitiva/cognitiva%202/Apresentações/Ling_6_leitura.pdf) ou como os pesquisadores europeus e norte-americanos chamam de Regras de Correspondência (ou Conversão) Grafema-Fonema (RCGF) (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-79722002000200010&script=sci_arttext) .

O princípio alfabético, especialmente o da correspondência grafema-fonema, tem uma relação estreita com os métodos de alfabetização em leitura (fônico, por exemplo), os modelos de compreensão em leitura e o processamento leitor.

Explicando melhor esta relação de outra forma: há, lingüística e psicolingüística, uma aproximação entre o princípio alfabético e o método de leitura.Diríamos que o método fônico utiliza-se, como um artifício pedagógico, na instrução em leitura, a correspondência grafema-fonema.

O método fônico ensina aos alfabetizandos como devem pronunciar as palavras que são vistas nos textos escritos ou impressos. Repetidas vezes, temos mostrado que o método fônico, para os disléxicos, disgráficos e disortográficos, é de grande aplicação e impacto, por seu caráter emancipatório, uma vez que desenvolve, nos educandos, a capacidade de aprender, através da consciência fonológica e da consciência fonêmica.

A escola, na educação infantil ou na primeira infância,para os alunos que já apresentam déficit de atraso na fala, através da intervenção pedagógica ou psicopedagógica, poderá levá-los a contarem os sons(fonemas) que formam as palavras faladas. Posteriormente, de forma sistemática, na alfabetização em leitura, a partir dos seis anos de idade, quando a criança ingressa no ensino fundamental, a escola, através da instrução em consciência fonológica, conscientizará seus alunos dos sons constituintes da palavras durante o aprendizado da leitura (compreensão literal) e da soletração(decodificação, a que chamaria aqui de etapa alfabética) e grafia(codificação, a que chamaria de etapa ortográfica).

O princípio alfabético relaciona-se diretamente com a compreensão literal. Trata-se de um etapa especialmente difícil para as crianças disléxicas, disgráficas e disortográficas. As disléxicas terão dificuldades de entender aquilo que está explicitamente declarado ou claramente implícito em texto ou fala. As crianças disgráficas e disortográficas que têm em comum, diante de si, a escrita, isto é, os textos em linguagem escrita, apresentarão déficits nos módulos de planejamento, nos módulos léxicos e nos módulos motores.

A disgrafia e a disortografia não permitem que a revisão dos textos seja automatizada, o que vai exigir mais gasto de memória e de atenção, nas tarefas da escrita. Os módulos léxicos atingem os disléxicos, disgráficos e disortográficos na chamada rota indireta ou fonológica, não permitindo que façam a extração da palavra do chamado léxico fonológico, a partir, como nos assinala Jesús Nicasio Garcia, em seu Manual de Dificuldades de Aprendizagem: linguagem, leitura, escrita, matemática (Artes Médicas, 1998, p.195), do “ depósito grafêmico” estocado na memória de longo prazo, passando por mecanismos de conversão grafema-fonema(da escrita à fala) ou conversão fonema-grafema(da fala à escrita) para o “depósito da pronúncia”.

A pronúncia é importante categoria fonética a ser bem observada nas queixas disléxicas, disgráficas e disortográficas. Como pronunciam os disléxicos o texto escrito? Como pronunciam os disgráficos o texto ou palavra que escreve? Como pronunciam os disortográficos a grafia (certa ou errada) em que escreveram ou registraram e reconheceram a palavra escrita? Aqui, entendemos a categoria pronúncia, não por seu caráter idiossincrásico, isto é, como sendo “ modo de pronunciar as palavras” ou “ modo de articular os sons, as palavras ou frases, característico de um indivíduo ou de uma região” nem também com acepção de sotaque, mas a articulação como produção expressiva da fala.

Chamamos aqui a atenção que a articulação, termo lingüístico relacionado à fonética, é de grande interesse para os fonoaudiólogos que tratam de dislexia, disgrafia e disortografia.

A articulação, manifesta em forma de vocalização ou subvocalização, é o poderíamos chamar de output da produção leitora, escritora e ortográfica.É através da vocalização ou subvocalização que os docentes e psicopedagogos, na escola, e os médicos e outros profissionais de saúde, nas clínicas, poderão examinar, nas crianças, os movimentos dos órgãos fonadores (articuladores) e a forma dos ressoadores na passagem do ar laríngeo para a produção dos sons da linguagem.

A articulação permite , assim, o observar da seqüência das etapas da emissão de um som, que são: a) movimento de aproximação dos articuladores ativos (lábio inferior, o véu palatino, as cordas vocais e língua) chamado catástase; b) sustentação dessa posição chamada de articulação sistente ou tensão) e c) afastamento dos articuladores também chamada de metástase, explosão ou distensão
O princípio alfabético tem uma relação muito contígua com o processamento do texto escrito. É através do processamento de texto, importantíssimo para entendermos bem o conceito de avaliação da compreensão leitora e, teoricamente, as direções que toma a construção da compreensão pelo leitor.
Temos assim, como vimos, anteriormente, nas lições do nosso curso, três direções do processamento leitor: (1) processamento de cima para baixo; (2) processamento de baixo para cima e (3) processamento interativo.
Se partirmos com o princípio alfabético que estabelece, como estratégia de compreensão leitora, a correspondência grafema-fonema ou, simplesmente, a decodificação, isto é, o reconhecimento dos signos gráficos no texto ou a tradução dos signos gráficos parta a linguagem oral ou para outro sistema de signos, através da aprendizagem do conhecimento do alfabeto ou do sistema de escrita alfabético, estamos nos referindo ao processamento de baixo para cima. Aqui a compreensão leitora começa com e é controlado pelo próprio texto, como na decodificação de uma carta e de um texto. Falamos em teoria de fora para dentro ou processamento dirigido pelo texto. O processamento leitor de baixo para cima (bottom-up) é um desafio ou dificuldade cognitiva para os disléxicos, mas pode não ser uma dificuldade acentuada para os disgráficos e disortográficos, o que vem revelar a interdependência entre as habilidades leitora, escritora e ortográfica.
Se, ao contrário, partimos do princípio alfabético que estabelece, como estratégia de compreensão leitora, a correspondência fonema-grafema, estaremos diante do processamento de cima para baixo (ou top-down), em que a compreensão leitora começa com e é controlada por experiências e expectativas que o leitor traz para o texto. È chamada esta estratégia de teoria de dentro para fora. A tendência mundial e a recomendação de investigadores do processo de lectoescrita têm caminhado em direção a uma valorização dos conhecimentos prévios dos educandos com necessidades educacionais especiais relacionados com a linguagem escrita. Dessa maneira, com a chamada teoria de dentro para fora, se desejamos avaliar a competência leitora das crianças disléxicas, disgráficas e disortográficas, somos inclinados a colocar, nos testes de avaliação leitora, itens que dizem respeito aos conhecimentos prévios dos educandos.
Vicente Martins é professor da Universiadade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, Cearaá

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