domingo, 26 de agosto de 2007

A LINGUAGEM ESCRITA E AS REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS





UVA – Letras – Aquisição da linguagem –
Prof. Vicente Martins – 2007 –

Desafio para todos os grupos, antes de responder as questões a seguir . Observe esta definição: tabula rasa é, na filosofia, para os empiristas radicais, estado que caracteriza a mente vazia, anterior a qualquer experiência. Esta definição tem a ver com qual ou com quais da questão ou questões abaixo?


1. Observe estas definições básicas das palavras, jogo, representação e gráfica. Bom, jogo, pode ser definido como: (1) designação genérica de certas atividades cuja natureza ou finalidade é recreativa; diversão, entretenimento; (2) atividade espontânea das crianças; brincadeira
(3) atividade que apresenta um ou mais caracteres do jogo especificamente [entretenimento, benignidade, possibilidade de ganhar ou perder] (p.ex., jogo de palavras, jogos de espírito). Representação quer dizer : (1) exposição escrita ou oral de motivos, razões, queixas etc. a quem de direito ou a quem possa interessar ; (2) operação pela qual a mente tem presente em si mesma a imagem, a idéia ou o conceito que correspondem a um objeto que se encontra fora da consciência ; (3 ) imagem intencionalmente chamada à consciência e mais ou menos completa de um objeto qualquer ou de um acontecimento anteriormente percebido. Gráfica vem de grafia: (1)
representação escrita de uma palavra; escrita, transcrição; (2) cada uma das possíveis maneiras de representar por escrito uma palavra (inclusive as consideradas incorretas); p.ex., Ivan e Ivã; atrás (grafia correta) e atraz (grafia incorreta); farmácia (grafia atual) e pharmacia (grafia antiga). Diante destas informações, o que justificaria, a priori, o título deste ensaio “ O jogo das representações gráficas”?
2. veja a raiz das palavras saber e sabor. Saber tem a seguinte etimologia:lat. sapìo,is,ùi,ívi (ou ìi eí),ère 'ter sabor, ter bom paladar, ter cheiro, sentir por meio do gosto, ter inteligência, ser sensato, prudente, conhecer, compreender, saber'; ver sab-; f.hist. 991 sabere, sXIII saber. Sabor tem a seguinte etimologia:lat. sapor,óris 'sabor, gosto, senso, razão, cheiro, aroma'. Agora explique a epígrafe de Roland Barthes (p. 169)
3. Quais as competências que são engendradas na atividade lingüística? (p.169)
4. Por que, segundo a autora, o estudo da linguagem humana não pode ser exclusivo da Lingüística? (p.169)
5. Que devemos entender por “espaços de relações” no campo da atividade lingüística? (p.169)
6. Como é concebida a língua no campo da atividade lingüística? (p.169)
7. Como devem ser as relações entre as relações e as regras da língua no campo das atividades lingüísticas? zero(p.169)
8. Qual a concepção da linguagem de Chomsky? (p.170)
9. Leia e comente este texto abaixo:
GENE DA LINGUAGEM
Repercussões de uma descoberta
Rodrigo Cunha (*)
Em 4 de outubro passado a revista Nature publicou um artigo de pesquisadores britânicos que anunciavam a descoberta de um gene ligado a distúrbios de fala e de linguagem. Eles pesquisaram três gerações de uma família, denominada KE, na qual um distúrbio conhecido por dispraxia verbal de desenvolvimento é transmitido geneticamente. Esse distúrbio provoca dificuldade de articulação e percepção dos sons da fala.
Em trabalho anterior, os pesquisadores haviam levantado a hipótese de que o distúrbio pudesse ser causado por um gene dominante ou um conjunto de genes localizados em determinada região do cromossomo 7, um autossomo (cromossomo não-sexual). Eles identificaram um indivíduo CS, não ligado à família KE, que também apresentava problemas de fala e linguagem associados ao mesmo intervalo do cromossomo 7, chamado de SPCH1. O estudo atual aponta para um gene específico dessa região, denominado FOXP2, com um ponto de mutação que interfere em circuitos cerebrais tanto no indivíduo CS quanto nos membros afetados da família KE.
Segundo os pesquisadores, "todos os diferentes estudos concordam que o gene danificado na família KE parece ser importante em mecanismos neurais de mediação do desenvolvimento da fala e da linguagem". Eles afirmam que essas investigações "têm sido centrais para as discussões sobre aspectos inatos da habilidade de linguagem".
A idéia do inatismo da linguagem, ou seja, da faculdade de linguagem herdada geneticamente, foi lançada pelo lingüista norte-americano Noam Chomsky no início dos anos 60. Chomsky propôs, primeiramente, a hipótese de que todo ser humano já nasceria com uma gramática universal, e por isso as crianças teriam a capacidade de rápida aquisição da complexa linguagem humana. Mais tarde, a teoria inatista foi revisada com a proposta de que a herança genética envolveria princípios universais para todas as línguas e parâmetros específicos, fixados no contato do falante com a sua língua materna.
Nos anos 90, quando foram anunciados os primeiros estudos sobre a família KE, a imprensa internacional se referiu ao SPCH1, trecho do cromossomo 7, como o "gene da gramática". Em 4 de outubro, quando os pesquisadores britânicos anunciaram a descoberta do FOXP2, os jornais foram mais cautelosos. The New York Times diz que cientistas "afirmam ter encontrado um gene que está na base da fala e da linguagem, o primeiro a ser ligado a essa faculdade unicamente humana". O Estado de São Paulo, em pequena nota baseada em informação da agência Reuters, também se refere a um "primeiro gene relacionado à linguagem".
Marcelo Leite, editor de ciência da Folha de S.Paulo, escreveu extenso artigo sobre o assunto, cujo título diz que foi descoberto apenas "um dos genes da linguagem". Esse artigo faz uma boa explanação geral sobre a descoberta, situando-a dentro do Projeto Genoma Humano. Marcelo Leite comete um deslize, no entanto, quando diz que "o trecho [do cromossomo 7] que se encontra alterado na família [KE] chegou a ser batizado de ‘gene da gramática’ porque os KEs tropeçam em tarefas como completar o exercício ‘Todo dia eu jogo. Ontem eu …’". O exemplo apresentado na verdade seria "Every day I plam; yesterday I _______". A palavra "plam" não faz parte do léxico da língua inglesa, e é uma das palavras inventadas – chamadas de logatomas, em lingüística – para os fins da pesquisa. O lingüista Steven Pinker, do Massachussets Institute of Technology (MIT), escreveu um artigo sobre a descoberta naquela mesma edição da Nature, no qual destaca a dificuldade que os membros afetados da família KE têm com tarefas para completar sentenças envolvendo palavras non sense (sem sentido).
Segundo os lingüistas Sírio Possenti e Maria Irma Hadler-Coudry, da Unicamp, "são numerosos os estudos, em mais de uma área, que mostram a fragilidade dos testes metalinguísticos de avaliação de linguagem, seja para falantes normais, seja para cérebro-lesados". Eles afirmam que testes como esses "tornam os sujeitos muito mais ‘deficientes’ (afásicos, dispráxicos) do que na realidade são". Maria Irma Hardler-Coudry é pesquisadora do Laboratório de Neurolingüística e do Centro de Convivência de Afásicos, ambos do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da Unicamp. Sírio Possenti, também do IEL, é um crítico contundente da noção de "erro" gramatical usada pelo senso comum. Segundo esses pesquisadores, nos testes aplicados com a família KE, "pode muito bem ocorrer que se imagine estar testando sintaxe e a resposta do sujeito seja a que é por razões pragmáticas".
A resposta esperada para um teste como "Every day I plam; yesterday I _______" é algo do tipo "plamed". Mas o fato de os sujeitos se recusarem a completar a sentença pode significar não um desconhecimento da função sintática da palavra que falta ou a flexão a ser dada a ela, mas uma reação de desentendimento diante de uma frase sem sentido. Como foi dito, a palavra "plam" não pertence ao léxico do inglês.
Para o sintaticista Jairo Morais Nunes, também da Unicamp, as descobertas dos pesquisadores britânicos estão no caminho correto. Segundo ele, não se pode dizer que há um único gene específico para a linguagem; seria "como dizer que há um gene para a cor dos olhos, e sabemos que na verdade é uma combinação de fatores que determina essa característica". Jairo Morais Nunes, no período em que fez seu doutorado na Universidade de Maryland, nos EUA, por dois semestres, assistiu aulas de Chomsky como ouvinte, no MIT. Seguidor da sintaxe gerativa chomskyana, ele afirma acreditar que pesquisas futuras do genoma humano podem chegar à gramática universal sugerida por Chomsky. O pesquisador diz que, apesar de os dados sobre a família KE apontarem para problemas gerais de cognição, "tem coisas que são puramente do domínio linguístico". Ele dá como exemplo outro caso verificado na Inglaterra, onde um sujeito adulto, com idade mental de criança e dificuldade com tarefas como amarrar o cadarço do sapato, não apresenta problema na aquisição de novas línguas. Jairo Morais Nunes afirma que uma contribuição para essas investigações seria a pesquisa sobre a eventual ocorrência de dispraxia também em linguagem de sinais. Segundo ele, "a língua de sinais é tão articulada quanto a falada", e os distúrbios dariam resultados semelhantes.
Eleonora Cavalcante Albano, pesquisadora do Laboratório de Fonética e Psicolingüística (Lafape) da Unicamp, diz que "os testes [com a família KE] são muito simples" e que "faltou testar a habilidade manual desses sujeitos". Segundo ela, além das dificuldades na articulação da fala, os membros afetados da família KE poderiam apresentar problemas motores com as mãos. A posição do Lafape, segundo ela, é a de que "o achado dos pesquisadores britânicos é ótimo", mas as leituras sobre a descoberta são precipitadas. A pesquisadora diz que na evolução das espécies, "o gene que traz uma inovação altera uma série de condutas". Para ela, seria "um salto grande demais" se a faculdade de linguagem humana estivesse restrita a um único gene. Eleonora Albano afirma que pesquisas comprovam a existência de uma protolíngua em chimpanzés. Segundo essas pesquisas, os chimpanzés também possuem uma área do cérebro ligada à linguagem. Eles não possuem, no entanto, um trato vocal em formato de L, como os humanos, e suas capacidades articulatórias e perceptivas são distintas das nossas. (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/ofjor/ofc141120012.htm)
Na opinião do grupo, qual será a contribuição de Chomsky para os estudos da aquisição e patologia da linguagem nos próximos anos?

10. Até que ponto a linguagem reflete os processos mentais humanos? (p.170)
11. Qual a problema da relação entre pensamento e linguagem? (p.170)
12. As formas lingüísticas dão conta de quais aspectos da aquisição e desenvolvimento da linguagem? (p.170)
13. A teoria da representação dá conta de quais aspectos da aquisição e desenvolvimento da linguagem? (p.170)
14. Explique esta assertiva: “ Os signos não existem e não têm caráter próprio sem o seu recurso”
15. Comente esta definição de signo lingüístico: “ designação comum a qualquer objeto, forma ou fenômeno que remete para algo diferente de si mesmo e que é us. no lugar deste numa série de situações (a balança, significando a justiça; a cruz, simbolizando o cristianismo; a suástica, simbolizando o nazismo; uma faixa oblíqua, significando proibido [sinal de trânsito]; um conjunto de sons [palavras] designando coisas do mundo físico ou psíquico etc.)”
16. Na perspectiva da teoria da representação, a análise lingüística focalizaria o que na atividade lingüística? (p.170)
17. Que devemos entender por “análise funcional da linguagem verbal por meio da observação dos padrões de comportamento” (p.170)
18. Que devemos entender por “representação escrita da linguagem”? (p.171-174)
19. Como Emília Ferreiro responde, com sua teoria da psicogênese da escrita, os problemas reais da alfabetização”? (p.171)
20. Leia atentamente o texto e comente-o em seguida:

revolução de Emilia Ferreiro
23/2/2006 - Redação - Portal Estadão - Brasil

Emilia Ferreiro, ao contrário dos pensadores que foram tema dos números anteriores desta coleção – Piaget, Vygotsky, Montessori e Paulo Freire – está viva e é relativamente jovem: nasceu em 1937, tem atualmente 68 anos e continua trabalhando regularmente. Desenvolve projetos de pesquisa, orienta teses e participa de reuniões acadêmicas no mundo todo. Quando questionei o editor sobre essa discrepância – a participação de uma pesquisadora viva e atuante nessa galeria de pensadores influentes na educação, todos mortos – sua resposta foi que hoje não se pode pretender traçar um panorama das idéias que afetam a educação brasileira sem falar do trabalho de Emilia Ferreiro.

Tem razão. Mas como foi que um trabalho acadêmico – sofisticado do ponto de vista teórico e de difícil leitura para leigos – chegou tão rapidamente aos educadores brasileiros e com tão grande impacto? Creio que isso aconteceu porque as pesquisas de Emilia Ferreiro produziram uma verdadeira revolução conceitual na alfabetização, desmontando todas as explicações que havíamos construído ao longo de décadas para justificar o estrondoso fracasso das crianças brasileiras na alfabetização inicial.

Desde que dispomos de estatísticas educacionais confiáveis – e lá se vão mais de 50 anos – temos dados que mostram que em torno de metade das crianças matriculadas nas escolas brasileiras são reprovadas na passagem da 1.ª para a 2.ª série. As tentativas de explicação falavam de problemas de aprendizagem que se justificariam ora em função de carência nutricional, ora de falta de estímulo intelectual, de carência cultural, de problemas psiconeurológicos ou então de deficiência lingüística. Todos dos alunos. Quanto à escola, ao ensino, aí não se enxergavam deficiências (uma solitária voz discordante era Paulo Freire, cuja crítica ao que chamou de “educação bancária” era uma leitura demolidora das práticas escolares). A única coisa que se tinha claro é que o nó do problema era a alfabetização. O fracasso localizava-se na aprendizagem da leitura e da escrita. O que levava a concluir que metade das crianças brasileiras era pouco capaz de aprender a ler e escrever.

A publicação do livro Los sistemas de escritura en el desarrollo del niño, em 1979 – que em português recebeu o nome de Psicogênese da língua escrita, em 1986 –, deixou claro que todas essas explicações, ainda que não fosse essa a intenção de seus autores, tratavam de naturalizar o que era, na verdade, um genocídio intelectual praticado pela escola. Isso porque o conjunto das investigações psicolingüísticas descritas e analisadas nesse livro fundador mostrou resultados que permitiram compreender o que se escondia atrás dos nossos escandalosos números. Na verdade, os alunos pobres e os de classe média eram igualmente inteligentes, mas sabiam coisas diferentes. Os de classe média, rodeados de oportunidades de contato com material escrito e com leitores, tinham tido mais oportunidades de pensar sobre a escrita que os outros. E isso fazia toda a diferença.

Mas antes de nos debruçarmos sobre a transformação que as investigações de Emilia Ferreiro produzem na alfabetização escolar, pensamos que seria interessante – já que esta é uma publicação dedicada a ela – saber mais sobre sua carreira e sua história, pessoal e política.

Emilia Ferreiro nasceu na Argentina, mas vive atualmente no México, onde trabalha no Departamento de Investigações Educativas (DIE) do Centro de Investigações e Estudos Avançados (Cinvestav) do Instituto Politécnico Nacional do México. Fez seu doutorado – sob a orientação de Jean Piaget – na Universidade de Genebra, no final dos anos 60, dentro da linha de pesquisa inaugurada por Hermine Sinclair, que Piaget chamou de psicolingüística genética. (O prefácio que Piaget escreveu para a publicação da tese de sua orientanda, o livro Les relations temporelles dans le langage de l’enfant, está traduzido no final do livro Cultura escrita e educação.)

Voltou, em 1971, à Universidade de Buenos Aires, onde constituiu um grupo de pesquisa sobre alfabetização do qual faziam parte Ana Teberosky, Alicia Lenzi, Suzana Fernandez, Ana Maria Kaufman e Liliana Tolchinsky. Mas a situação política argentina ia se deteriorando progressivamente, e no final de 1974 a dra. Ferreiro acabou afastada de suas funções docentes na universidade (assim como seu marido, Rolando Garcia, físico e pesquisador, com quem Piaget dividiu a publicação dos seus últimos trabalhos). Mesmo sob tão difíceis condições o grupo se manteve coeso e as pesquisas continuaram durante os anos de 1975 e 1976, ainda que sem qualquer apoio institucional.

Quando foi obrigada a se exilar, Emilia Ferreiro levou na bagagem os dados das entrevistas que ela e sua equipe haviam realizado e cuja análise está na origem da psicogênese da língua escrita. Nesse momento, a maioria das pesquisadoras desse grupo também foi obrigada a espalhar-se pelo mundo, em um duro exílio que se estendeu por muitos anos. A análise exaustiva dos dados obtidos em Buenos Aires foi realizada com a ajuda de Ana Teberosky numa espécie de ponte entre Genebra – para onde a família Ferreiro-Garcia havia retornado na condição de exilada – e Barcelona, que acolheu Ana Teberosky.

De Genebra, as questões político-sociais, que estão e sempre estiveram na origem de suas investigações, trouxeram Ferreiro de volta à América Latina. Inicialmente a trabalho e depois também para morar, dessa vez no México. São desse período a pesquisa El niño pré-escolar y su comprensión del sistema de escritura, apoiada pela Universidade de Genebra e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), e, ainda com apoio da OEA, a enorme investigação que deu origem aos 5 volumes da publicação Análisis de las perturbaciones en el proceso de aprendizaje de la lecto-escritura, ambos em parceria com Margarita Gómez Palácio (esses dois trabalhos tinham como objetivo compreender as variáveis determinantes do fracasso na alfabetização inicial, que no México alcançava 23% dos alunos da 1.ª série – 6 anos –, o que era considerado inaceitável).

A psicogênese da língua escrita – uma descrição do processo através do qual a escrita se constitui em objeto de conhecimento para a criança – pôde tornar-se observável porque Emilia Ferreiro mudou radicalmente as perguntas que estavam na origem dos estudos sobre aquisição da leitura e da escrita. Tradicionalmente, as investigações sobre as questões da alfabetização costumavam girar em torno de uma pergunta: “como se deve ensinar a ler e escrever?”. A crença implícita era a de que o processo de alfabetização começava e acabava entre as quatro paredes da sala de aula e que a aplicação correta do método adequado garantiria ao professor o controle do processo de alfabetização dos alunos.

Emilia Ferreiro deslocou o foco de investigação do “como se ensina” para o “como se aprende”. Colocou assim a escrita no lugar que lhe cabe – de objeto sociocultural de conhecimento (ver quadro na página 12) – e tirou da escola algo que parecia incontestável: o monopólio da alfabetização. Recolocou no centro dessa aprendizagem o sujeito ativo e inteligente que Piaget descreveu. Um sujeito que pensa, que elabora hipóteses sobre o modo de funcionamento da escrita porque ela está presente no mundo onde vive, que se esforça por compreender para que serve e como se constitui esse objeto. Que aprende os usos e formas da linguagem que serve para escrever ao mesmo tempo em que compreende a natureza do sistema alfabético de escrita.

A idéia de que o aprendiz precisa pensar sobre a escrita para se alfabetizar era mais que nova: era revolucionária.

Dos déficits atribuídos aos alunos que não se alfabetizavam, o mais aceito pela escola – provavelmente porque tinha a pretensão de oferecer uma solução – era o das disfunções psiconeurológicas. Era idéia corrente nos anos 70 que havia pré-requisitos para que alguém pudesse aprender a ler e escrever. Esses pré-requisitos se constituíam em um conjunto de habilidades perceptuais conhecidas como “prontidão para a alfabetização”. Ou seja, as crianças precisavam alcançar uma maturidade, uma “prontidão” (do inglês readiness) sem a qual nem valia a pena ensiná-las. Dessa maneira, as escolas aplicavam às crianças um conjunto de exercícios que serviam também para avaliar o desempenho em relação a essas habilidades. (O teste ABC, de Lourenço Filho, importante educador brasileiro, foi um dos precursores.)

A partir dessas avaliações, a escola podia decidir se o aluno freqüentaria uma classe regular ou uma classe especial, onde ficava restrito a esse tipo de exercício. Isso, vemos hoje, significava negar-lhe a autorização de acesso à escrita. Eram as classes de prontidão, onde a escrita e a leitura eram evitadas e as crianças ficavam, às vezes por anos, fazendo exercícios como os que vemos abaixo.

As investigações de Emilia Ferreiro e colaboradores demonstraram que, ao contrário do que se pensava, a questão crucial da alfabetização inicial é de natureza conceitual, e não perceptual. Isto é, a mão que escreve e o olho que lê estão sob o comando de um cérebro que pensa sobre a escrita. Escrita essa que existe em seu meio social e com a qual toma contato por atos que envolvem, de alguma forma, sua participação em práticas sociais de leitura e escrita.

Mostraram também que as premissas a partir das quais trabalhávamos eram falsas. Como já vimos, supúnhamos que a alfabetização fosse uma aprendizagem estritamente escolar e que as crianças só aprendiam o que o professor lhes ensinasse. Assim, primeiro o professor deveria ensinar as letras e/ou sílabas escritas e seus respectivos sons e, se e quando essas correspondências estivessem memorizadas, os alunos seriam capazes de ler e de escrever. Supúnhamos também que, se o professor ensinava e a criança não aprendia, ela é que tinha problemas de aprendizagem. E que as crianças que não se alfabetizavam precisavam de tratamento clínico, psicológico ou psicopedagógico.

Como foi que certezas aparentemente tão bem estabelecidas desmoronaram? Desmoronaram porque a mudança no foco das pesquisas mostrou um elemento completamente novo: as crianças tinham idéias sobre a escrita muito antes de serem autorizadas pela escola a aprender. Essas idéias assumiam formas inesperadas. Em lugar de irem acumulando as informações oferecidas pela escola, elas pareciam “inventar” formas surpreendentes de escrever (os pesquisadores americanos que encontraram e registraram esse tipo de escrita chamaram-nas invented spelling). E essas escritas apareciam dentro de uma ordem precisa.

“Pode-se falar de uma evolução da escrita na criança, evolução influenciada, mas não totalmente determinada pela ação das instituições educativas; mais ainda, pode-se descrever uma psicogênese nesse domínio (isto é, pode se não somente distinguir etapas sucessivas mas também interligá-las em termos de mecanismos constitutivos que justificam a seqüência dos níveis sucessivos).” (A escrita... antes das letras)

Os limites deste artigo não nos permitem uma descrição exaustiva da evolução das hipóteses infantis sobre a escrita. Vamos então analisar um pequeno número de produções seqüenciadas e remeter o leitor interessado à bibliografia. Essas escritas foram produzidas sob ditado, em diferentes datas, numa atividade em que a professora tinha o objetivo de documentar o percurso de cada aluno da classe.

Bruno começou o ano letivo com uma concepção de escrita que Emilia Ferreiro denominou hipótese silábica. Ele está convencido de que a cada emissão sonora, a cada sílaba falada, corresponde uma letra. Em maio, ele já não usa mais uma letra por sílaba de forma sistemática, escreve o LA de lapiseira e o CA de caderno alfabeticamente. Essa escrita é conhecida como silábico-alfabética. Dizia-se que as crianças que produziam esse tipo de escrita “comiam” letras e precisavam de atendimento clínico. Mas como podemos ver na seqüência, Bruno não está comendo letras, e sim agregando.

Mateus, diferentemente de Bruno, começou o ano sem saber que as letras correspondem a emissões sonoras. Para ele, nesse momento, para escrever algo, basta um encadeamento de letras. Com exceção de um V na escrita de pelicano, um B na de cobra e um N na de rã, quase todo o seu repertório vem do seu nome. Mas isso não significa que ele escreva qualquer coisa, muito pelo contrário. Ele exige que não apareçam letras repetidas na mesma palavra e que nenhuma escrita tenha menos de três letras.

Essas exigências que definem as condições de legibilidade consideradas necessárias pelas crianças são muito interessantes. São exigências de natureza lógica e como tal se impõem, mesmo que contrariem a realidade: em português existem muitas palavras com apenas uma ou duas letras. São muito raras as crianças que, como Bruno, que vimos antes, aceitam escrever uma única letra para o monossílabo ditado. E, mesmo essas, o fazem com grande constrangimento, pois isso implica violar a lógica da diferenciação entre a parte e o todo.

Comparando a evolução das escritas de Bruno e Mateus, salta aos olhos o que comentamos acima: o desempenho final está diretamente relacionado com o ponto de partida. Mateus chega em maio à conceitualização da escrita com que Bruno começou o ano (escrita silábica com valor sonoro convencional). Em outubro, a escrita de Bruno é inteiramente alfabética e quase não tem erros de ortografia, enquanto na de Mateus ainda faltam letras e nem todas estão adequadamente usadas.

A avaliação do desempenho escolar desses dois alunos será completamente diferente se o foco estiver no produto final ou no processo. Com o foco no produto, como é o habitual, Mateus seria reprovado. Todo o esforço que se pode constatar observando a evolução de sua escrita seria desconsiderado, exatamente quando lhe falta tão pouco.

Como acabamos de ver, aquelas escritas sem pé nem cabeça – que costumam ser produzidas pelas crianças e que nos pareciam indicar a existência de “problemas de alfabetização” – correspondem à parte mais interessante do processo pelo qual um sujeito pensante desvela o sistema de escrita. E isso nos deixou, literalmente, em estado de choque, que rapidamente se transformou em estado de graça. Ver que essas escritas estranhas apareciam em algum momento do processo de alfabetização tanto das crianças ricas quanto das pobres também foi um choque. O impacto que essas idéias tiveram na educação definiu uma espécie de marco divisor: um antes e um depois na história da alfabetização escolar brasileira.

No entanto, considerar a alfabetização como construção de conhecimento em lugar de simples acúmulo de informação não significa assumir uma posição espontaneísta no que se refere ao ensino. Muito pelo contrário: uma abordagem psicogenética da alfabetização aumenta a responsabilidade da escola, em vez de diminuí-la. Nem significa que as crianças não precisem aprender o valor sonoro das letras. O que a psicogênese da língua escrita permitiu compreender é que esse saber não é suficiente para aprender a ler e a escrever. Mas insuficiente não significa desnecessário.

O impacto das investigações de Emilia Ferreiro e colaboradores sobre as representações que os educadores tinham do ensino da leitura e da escrita provocou uma desestruturação inicial, pois os métodos de alfabetização existentes eram claramente inadequados. Apesar de um primeiro movimento de recusa aos métodos fechados, estruturados passo a passo, como se todos os alunos entrassem na escola como tábulas rasas, aos poucos foi se impondo a necessidade da construção de uma metodologia adequada à nova compreensão que tínhamos do processo de alfabetização. E isso acabou afetando também todo o ensino da língua. Permitiu que o conhecimento produzido na área da lingüística encontrasse receptividade na escola e que, nesses últimos 26 anos, se produzissem experiências pedagógicas suficientes para construir, a partir delas, uma didática (as experiências pioneiras foram as de Ana Teberosky em Barcelona, na Espanha, e de Delia Lerner em Caracas, na Venezuela).

Essa didática da língua – que trouxe os textos do mundo para dentro da escola e se preocupa em aproximar as práticas de ensino da língua das práticas de leitura e escrita reais – é a que foi difundida entre nós pelo Ministério da Educação nos Parâmetros e referenciais curriculares nacionais para a educação fundamental e para a educação infantil. E também no Programa de Formação de Professores Alfabetizadores produzido pelo MEC, conhecido nacionalmente como Profa e, no estado de São Paulo, como Letra e Vida.

Do ponto de vista político, a maior contribuição da dra. Ferreiro foi explicitar o papel da rede de atos de leitura e escrita que hoje chamamos ambiente alfabetizador. Foi mostrar, como dissemos acima, que a diferença no desempenho escolar inicial entre as crianças pobres das escolas públicas e as de classe média não tinha origem em nenhum tipo de déficit, fosse ele intelectual, fosse lingüístico ou cultural. Nenhuma criança entra na escola regular sem saber nada sobre a escrita, e o processo de alfabetização é longo e trabalhoso para todas, não importa a classe social.

A diferença no desempenho decorre do fato de que a criança de classe média já está, em geral, numa fase mais adiantada do processo de alfabetização quando chega à escola regular, enquanto a de classe baixa ainda tem, habitualmente, hipóteses primitivas sobre a escrita. Assim, cabe à escola garantir a quem precisa esse ambiente alfabetizador, em lugar de manter as crianças à margem das oportunidades de aproximação da língua escrita, como se fazia (e como ainda fazem muitíssimas escolas de educação infantil).

Aqui cabe uma ressalva: é importante frisar que não é o ambiente que alfabetiza, que não é o fato de pendurar coisas escritas nas paredes que produz por si só um efeito alfabetizador. “Ambiente alfabetizador” designa, de maneira condensada, um ambiente que propicia inúmeras interações com a língua escrita, interações mediadas por pessoas capazes de ler e de escrever.

Um espaço privilegiado para oferecer às crianças que vêm de ambientes onde a cultura escrita não tem muita serventia – onde jornais, por exemplo, servem para forrar ou embrulhar coisas e não para ler – é exatamente a educação infantil. Para elas, é fundamental ouvir histórias lidas, exercer suas idéias sobre as características e o modo de funcionamento do sistema de escrita tendo como interlocutor um adulto leitor. Um professor que pode compreender o que está por trás dessas escritas pouco convencionais e é, portanto, capaz de dialogar com o aprendiz – sempre respeitando o que ele pensa ao mesmo tempo que lhe coloca questões que podem ajudá-lo a avançar.

A descrição psicogenética da alfabetização inicial permitiu ainda diferenciar dois processos que na prática da escola apareciam como indiferenciados: a alfabetização e a ortografização. Para a vida escolar dos filhos das classes populares, que falam dialetos socialmente desprestigiados, essa compreensão é fundamental, pois a escola estava (e em sua maior parte ainda está) convencida de que seus erros de ortografia estavam relacionados ao seu modo de falar, estigmatizando-o. Hoje sabemos que não é assim, que a aprendizagem da ortografia é de outra natureza e tem muito mais a ver com a convivência sistemática com textos impressos do que com o dialeto de origem do aprendiz.

Além disso tudo, a obra de Emilia Ferreiro veio socorrer os educadores brasileiros com relação a uma velha queixa: embora a teoria piagetiana se mostrasse válida para explicar aquisições fundamentais ao longo do desenvolvimento, como a construção da lógica ou da moralidade, ela não dava conta de explicar – a não ser no caso de algumas questões da matemática e da geometria – o que se passava quando se tratava de aprendizagens específicas como os outros conteúdos escolares. Disso redundava que aqueles que insistiam em um modelo pedagógico de corte piagetiano acabavam por produzir uma prática orientada para objetivos de desenvolvimento (capacidade de classificar, seriar, conservações, reversibilidade etc.) e não para a aprendizagem dos conteúdos escolares. Para os educadores politicamente comprometidos com o acesso da maioria da população a esses conhecimentos fundamentais, isso era um enorme problema. No mínimo porque tinham muito mais afinidade com um modelo construtivista interacionista do que com um modelo de controle do comportamento.

Considerando a teoria piagetiana como uma teoria geral dos processos de aquisição do conhecimento, a psicogênese da língua escrita contribuiu para romper esse impasse ao mostrar que é possível explicar o processo de aprendizagem daquele que era considerado o mais escolar dos conteúdos escolares – a alfabetização – utilizando um modelo teórico construtivista-interacionista. Com isso abriu um enorme campo de pesquisa, tanto no que se refere à aprendizagem dos inúmeros aspectos da língua escrita que ultrapassam a questão da escrita alfabética quanto dos outros conteúdos escolares. Essa abertura aponta na direção de uma compreensão cada vez melhor dos processos de aprendizagem dos diferentes conteúdos e indica a possibilidade de construção e aprimoramento de didáticas que, sem distorcer o objeto a ser ensinado, se adaptem ao percurso do aprendiz. Didáticas que dialoguem com a aprendizagem dos alunos, que reconheçam o conhecimento que eles já possuem, que façam a ponte entre esse conhecimento e o que precisa ser ensinado, garantindo-lhes o direito de aprender (http://www.lpp-uerj.net/olped/exibir_opiniao.asp?codnoticias=10851)

Quais as principais postulações de Emília ferreiro no tocante à sua teoria da psicogênese da língua escrita?

21. Explique esta concepção de Emilia ferreiro: “ “a função de cada elemento gráfico determina o significado” (p.171)
22. O que torna, segundo Emília Ferreiro, a criança uma sujeito ativo na alfabetização inicial? (p.171)
23. No campo da linguagem, como podemos descrever a perspectiva psicopedagógica de Teberosky? (p.172)
24. Que postula Tolchinsky para a linguagem, especialmente a escrita? (p.172)
25. Veja esta entrevista de Ana Teberosky sobre a linguagem:
ANA TEBEROSKY
''Debater e opinar estimulam a leitura e a escrita''
Para a educadora argentina, nas sociedades em que se valoriza a interação entre as pessoas e a cultura escrita, o processo de alfabetização é mais eficiente
Ana Teberosky é uma das pesquisadoras mais respeitadas quando o tema é alfabetização. A Psicogênese da Língua Escrita, estudo desenvolvido por ela e por Emilia Ferreiro no final dos anos 1970, trouxe novos elementos para esclarecer o processo vivido pelo aluno que está aprendendo a ler e a escrever. A pesquisa tirou a alfabetização do âmbito exclusivo da pedagogia e a levou para a psicologia. "Mostramos que a aquisição das habilidades de leitura e escrita depende muito menos dos métodos utilizados do que da relação que a criança tem desde pequena com a cultura escrita", afirma. Para ela, os recursos tecnológicos da informática estão proporcionando novos aprendizados para quem inicia a escolarização, mas as práticas sociais, cada vez mais individualistas, não ajudam a formar uma comunidade alfabetizadora.
Doutora em psicologia e docente do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade de Barcelona, ela também atua no Instituto Municipal de Educação dessa cidade, desenvolvendo trabalhos em escolas públicas. Em setembro, quando esteve no Brasil para participar do Congresso Saber 2005, ela deu a seguinte entrevista à ESCOLA.
De quem é a culpa quando uma criança não é alfabetizada?
Ana Teberosky - A responsabilidade é de todo o sistema, não apenas do professor. Quando a escola acredita que a alfabetização se dá em etapas e primeiro ensina as letras e os sons e mais tarde induz à compreensão do texto, faz o processo errado. Se há separação entre ler e dar sentido, fica difícil depois para juntar os dois.
Como deve agir o professor especialista ao deparar com estudantes de 5ª a 8ª série não alfabetizados?
Ana Teberosky - Todo educador precisa saber os motivos pelos quais a alfabetização não ocorre. Sou contra usar rótulos como alfabetizado e não-alfabetizado, leitor e não-leitor. Quando se trata de conhecimento, não existe o "tudo ou nada". Uma criança que tenha acabado as quatro primeiras séries, apesar de dominar os códigos da língua, pode ter dificuldade em compreender um texto e não estar habituada a estudar. Algumas apresentam resistência a tudo o que se refere à escola por motivos vários. Outras têm mesmo dificuldades e, por não saber superá-las ou não contar com alguém para ajudar, evitam contato com textos. Cada caso exige atenção e tratamento diferentes.
atitude positiva do professor tem impacto na alfabetização da turma?
Ana Teberosky - Acreditar que o aluno pode aprender é a melhor atitude de um professor para chegar a um resultado positivo em termos de alfabetização. A grande vantagem de trabalhar com os pequenos é ter a evolução natural a seu favor. Se não existe patologia, maus-tratos familiares ou algo parecido, eles são máquinas de aprender: processam rapidamente as informações, têm boa memória, estão sempre dispostos a receber novidades e se empolgam com elas. Um professor que não acha que o estudante seja capaz de aprender é semelhante a um pai que não compra uma bicicleta para o filho porque esse não sabe pedalar. Sem a bicicleta, vai ser mais difícil aprender!
Os defensores do método fônico culpam o construtivismo, base dos Parâmetros Curriculares Nacionais, pelos problemas de alfabetização no Brasil. O que a senhora pensa disso?
Ana Teberosky - Para afirmar se a culpa é ou não de determinada maneira de ensinar, seria necessário ter um estudo aprofundado das práticas pedagógicas dos alfabetizadores em todo o país. Uma coisa é o que eles declaram fazer, outra é o que eles executam de fato. Quem afirma que uma forma de alfabetizar é melhor que a outra está apenas dando sua opinião pessoal já que não existe nenhuma pesquisa nessa linha. A dificuldade em alfabetizar no Brasil é histórica e já existia mesmo quando o método fônico estava na moda.
O bom desempenho de alguns países nas avaliações internacionais pode ser atribuído à utilização do método fônico?
Ana Teberosky - Não dá para comparar um país com outro, porque não é somente a maneira de ensinar que muda. Outros fatores aliás, importantíssimos influenciam no processo de aquisição da escrita, como as características de cada idioma. É muito mais fácil alfabetizar em uma língua em que há correspondência entre o sistema gráfico e o sonoro ou naquelas em que as construções sintáticas são simples, por exemplo.
O método fônico e a psicogênese da língua escrita são incompatíveis?
Ana Teberosky - A psicogênese não é método, e sim uma teoria que explica o processo de aprendizagem da língua escrita. Nesse contexto, defendemos a integração de várias práticas pedagógicas. Mas o importante é que se leve em conta, além do código específico da escrita, a cultura e o ambiente letrados em que a criança se encontra antes e durante a alfabetização. Não dá para ela adquirir primeiro o código da língua e depois partir para a compreensão de variados textos. Nós acreditamos que ambos têm de ocorrer ao mesmo tempo, e aí está o diferencial da nossa proposta.
Como o processo de alfabetização deve ser avaliado?
Ana Teberosky - O professor deve se basear no momento inicial de aprendizagem de cada aluno, verificando o que ele conquistou em determinado período. Além do mais, a avaliação passa pela análise do próprio trabalho: o professor tem condições materiais e estruturais para ensinar? Ele criou um ambiente alfabetizador favorável à aprendizagem e necessidades de usar a língua escrita?
O que é um ambiente alfabetizador?
Ana Teberosky - É aquele em que há uma cultura letrada, com livros, textos digitais ou em papel , um mundo de escritos que circulam socialmente. A comunidade que usa a todo momento esses escritos, que faz circular as idéias que eles contêm, é chamada alfabetizadora.
Nós vivemos em uma comunidade alfabetizadora?
Ana Teberosky - Cada vez menos a sociedade auxilia a alfabetização por não promover situações públicas em que seja possível a circulação de escritos, debates, discussões e reuniões em que todos sintam necessidade e vontade de usar a palavra. O individualismo vai contra a formação de leitores e escritores. Há uma tese brasileira que mostra como os sindicatos, durante sua história, desenvolveram uma cultura alfabetizadora entre seus membros. Como os líderes tinham de convencer os filiados sobre determinadas teses, buscavam informações para embasar seus argumentos, levantavam questões e respondiam às apresentadas. Os sindicalizados, por seu lado, também precisavam ler documentos, participar de reuniões, colocar suas dúvidas e opiniões para decidir.
Quais atividades o professor alfabetizador deve realizar?
Ana Teberosky - Formar grupos menores para as crianças terem mais oportunidade de falar e ler para elas são estratégias fundamentais! É preciso compartilhar com a turma as características dos personagens, comentar e fazer com que todos falem sobre a história, pedir aos pequenos para recordar o enredo, elaborar questões e deixar que eles exponham as dúvidas. Se nos 200 dias letivos o professor das primeiras séries trabalhar um livro por semana, a classe terá tido contato com 35 ou 40 obras ao final de um ano.
É correto o professor escrever para os alunos quando eles ainda não estão alfabetizados?
Ana Teberosky - Sim. A atuação do escriba é um ponto bastante importante no processo de alfabetização. O estudante que dita para o professor já ouviu ou leu o texto, memorizou as principais informações que ele contém e com isso consegue elaborar uma linha de raciocínio. Ao ver o que disse escrito no quadro-negro, ele diferencia a linguagem escrita da falada, seleciona as melhores palavras e expressões, percebe a organização da escrita em linhas, a separação das palavras, o uso de outros símbolos, como os de pontuação. A criança vê o seu texto se concretizar.
O computador pode ajudar na alfabetização?
Ana Teberosky - O micro permite aprendizados interessantes. No teclado, por exemplo, estão todas as letras e símbolos que a língua oferece. Quando se ensina letra por letra, a criança acha que o alfabeto é infinito, porque aprende uma de cada vez. Com o teclado, ela tem noção de que as letras são poucas e finitas. Nas teclas elas são maiúsculas e, no monitor, minúsculas, o que obriga a realização de uma correspondência. Além disso, quando está no computador o estudante escreve com as duas mãos. Os recursos tecnológicos, no entanto, não substituem o texto manuscrito durante o processo de alfabetização, mas com certeza o complementam. Aqueles que acessam a internet lêem instruções ou notícias, escrevem e-mails e usam os mecanismos de busca. Ainda não sabemos quais serão as conseqüências cognitivas do uso do computador, mas com certeza ele exige muito da escrita e da leitura.
É possível alfabetizar em classes numerosas?
Ana Teberosky - Depende da quantidade de alunos. Em quatro horas de aula por dia com 40 crianças, é muito difícil e eu não saberia como fazer... Seria melhor se cada sala tivesse 20, 25. Em Barcelona, estamos experimentando os agrupamentos flexíveis, que misturam grupos de diferentes níveis, com 12 estudantes e com três ou quatro professores à disposição para orientação. Existem algumas possibilidades desde que haja contribuição da gestão pública.
Na entrevista, Ana Teberosky diz o seguinte: “A psicogênese não é método, e sim uma teoria que explica o processo de aprendizagem da língua escrita.”. E, para vc, o que é a psicogênese? Método? Teoria? Praxiologia? Postulação?
Para responder a questão a seguinte, atenta para estas definições:
Método- (1) conjunto sistemático de regras e procedimentos que, se respeitados em uma investigação cognitiva, conduzem-na à verdade.
(2) no cartesianismo, o somatório de operações e disposições preestabelecidas que garantem o conhecimento, tais como a busca de evidência, o procedimento analítico, a ordenação sistemática que parte do simples para o complexo, ou a recapitulação exaustiva da totalidade do problema investigado; (3) na filosofia de Bacon (1561-1626), reunião de prescrições de natureza indutiva e experimental que asseguram o sucesso da investigação científica e (4) no pensamento de Edgar Morin (1921 -), atitude intelectual que busca a integração das múltiplas ciências e de seus procedimentos cognitivos heterogêneos, tendo em vista o ideal de um conhecimento eclético e complexo.
Teoria – (1) na filosofia grega, conhecimento de caráter estritamente especulativo, desinteressado e abstrato, voltado para a contemplação da realidade, em oposição à prática e a qualquer saber técnico ou aplicado e (2) conhecimento sistemático, fundamentado em observações empíricas e/ou postulados racionais, voltado para a formulação de leis e categorias gerais que permitam a ordenação, a classificação minuciosa e, eventualmente, a transformação dos fatos e das realidades da natureza.
Praxiologia – Vem de práxis: (1) prática; ação concreta; (2) no aristotelismo, conjunto de atividades humanas autotélicas, cuja manifestação mais representativa é a política, e caracterizadas esp. por sua natureza concreta, em oposição à reflexão teórica e (3) no marxismo, ação objetiva que, superando e concretizando a crítica social meramente teórica, permite ao ser humano construir a si mesmo e o seu mundo, de forma livre e autônoma, nos âmbitos cultural, político e econômico
26. Como Ferreiro explica as concepções da criança com relação ao sistema alfabética da escrita? (p.172)
27. Quais as idéias de Jakobson, Martinet e Benveniste sobre linguagem e aquisição da língua escrita? (p.172)
28. O grupo acredita que a aquisição da língua escrita intervém, de maneira determinante, no desenvolvimento cognitivo da criança? (p.72)
29. Descreva como os estudiosos abaixo apontam a importância da consciência fonológica (percepção lingüística) na criança em fase de alfabetização inicial (ou decodificação leitora): (a) C. T. Lemos; (b) M.B.M Abaurre e (c) E. Magnusson Veja mais na página 173174
30. Como Gombert descreve o desenvolvimento metalingüístico e a produção escrita? (p.174-180)
31. Como J. Morais descreve o desenvolvimento metalingüístico e a produção escrita? (p.174-180)
32. ‘Como J-P Jaffré descreve o desenvolvimento metalingüístico e a produção escrita? (p.174-180)
33. Como D. Olson descreve o desenvolvimento metalingüístico e a produção escrita? (p.174-180)
34. Como Gombert e Largy descrevem o desenvolvimento metalingüístico e a produção escrita? (p.174-180)
35. Descreva a metáfora da via dupla para a produção da palavra ou reconhecimento da palavra? (p.178)
36. Como Danon-Boileau descreve o desenvolvimento metalingüístico e a produção escrita? (p.174-180)
37. Comente esta assertiva: “ O ato de ler e escrever implica um processo de decifração e, também, de apropriação pela criança da natureza do sistema da escrita!
38. Leia e comente o artigo abaixo:

Um novo olhar sobre a escrita: A contribuição das Ciências Cognitivas e da Semiótica para o desenvolvimento de uma Ciência da Escrita (por Marcel Pauluk/Universidade Federal do Paraná )
Introdução
“As formas sociais do tempo e do saber que hoje nos parecem ser as mais naturais e incontestáveis baseiam-se, na verdade, sobre o uso de técnicas historicamente datadas, e portanto transitórias. Compreender o lugar fundamental das tecnologias da comunicação e da inteligência na história cultural nos leva a olhar de uma nova maneira a razão, a verdade, e a história (...).” (Lévy, 1993: 38).
Vivemos num tempo onde as mudanças parecem se suceder tão rápida e desenfreadamente que a própria idéia de mudança é relativizada. Às vezes deixamos de perceber os efeitos dessas mudanças pelo fato delas transformarem o modo como se organiza nossa cultura enquanto estamos imersos nela.
As tecnologias digitais estão provocando uma revolução em diversos âmbitos da organização cultural planetária de modo muito similar à revolução provocada pelo surgimento da escrita alfabética entre os gregos. Esta revolução tem conseqüências não exatamente previsíveis, porém a alteração no uso da linguagem por ela ocasionada nos permite agora, deslocados da posição de imersão na qual nos encontrávamos anteriormente com relação aos nossos hábitos comunicacionais, lançarmos um novo olhar, mais consciente, mais distanciado, sobre estes mesmos hábitos.
As novas descobertas sobre o funcionamento da escrita nos abrem diversas portas. Elas podem modificar a nossa noção de signo, ainda muito ligada a uma ciência lingüística, a qual via a escrita como mera transcrição fonética; podem nos trazer novas definições de texto e discurso; podem promover a elaboração de novas linguagens gráficas, principalmente para o uso em suportes eletrônicos; podem, além de tudo, estabelecer uma nova maneira de se pensar, pois o esclarecimento das relações que ligam os sistemas de escrita aos modos de pensamento (e de outras relações similares) podem resultar num uso mais consciente das técnicas comunicacionais utilizadas pela humanidade.
Este artigo busca traçar, apoiado nos avanços teóricos da semiótica e das ciências cognitivas, um pequeno panorama desta revolução que se deu há aproximadamente 2700 anos: o surgimento da escrita alfabética. Nesse panorama poderemos ver que muito do que concebemos hoje a respeito de nossa escrita herdamos diretamente das primeiras críticas a seu respeito. Destes pré-conceitos ainda precisamos nos desembaraçar. Aqui também, ainda que de maneira superficial, iremos tratar das diferenças entre os tipos de escrita existentes. A crítica dessas distinções canônicas é também um passo para os novos estudos da escrita. Depois veremos quais foram as principais conseqüências advindas do estabelecimento desta nova técnica entre os gregos e, no desenrolar do tempo, em todo Ocidente. Os estudos semióticos e cognitivos das mídias e da cultura (como os do círculo de Toronto) nos alertam para um possível paralelismo com as mudanças atuais. Por último, estabeleceremos o lugar da semiótica e das ciências cognitivas nos estudos dos sistemas de escrita, com um breve panorama das primeiras abordagens e de alguns resultados alcançados.
Tudo isto deve ser visto como parte de um esforço maior: o cultivo de um campo, através de um esforço transdisciplinar, para o surgimento de uma verdadeira Ciência da Escrita.
A passagem oralidade/ escrita
A oralidade ainda pode ser considerada o principal meio da comunicação humana; hoje, porém, ela já é permeada pela cultura letrada. A oralidade primária, aquela das sociedades que não conhecem a escrita ou não fazem uso dela, não pode ser considerada a mesma oralidade que a nossa. Quando falamos, fazemos referências a textos que lemos, usamos construções “literárias” e muitas vezes estudamos o discurso oral com base na sua transcrição, operações impossíveis numa cultura não-letrada.
O uso da escrita é uma invenção humana recente. O homo-sapiens , que está caminhando sobre a Terra há cerca de 50 mil anos, já não mais usava as mãos na locomoção: fazia uso de uma conjugação mão-face não só para se alimentar, mas para se expressar. Esta coordenação, que se exprime no gesto como apoio à palavra, irá se repetir na escrita como transcrição dos sons da voz (Leroi-Gourhan, 1990) . A arqueologia estabelece o surgimento dos primeiros indícios de utilização de um sistema linear de escrita em 3.500 a.C., na região da Mesopotâmia. Se levarmos em conta os grafismos de qualquer espécie, então os mais antigos estampam as paredes de algumas cavernas desde 35 mil a.C. (Ong, 1998). A gênese desse comportamento simbólico se dá com a abstração. A linguagem evoluiu do concreto ao abstrato, ou do menos abstrato ao mais abstrato. Os grafismos também começam não por “uma representação inocente do real, mas sim do abstrato” (Leroi-Gourhan, 1990:189) . Os primeiros sinais teriam exprimido antes ritmos do que formas. A arte figurativa estaria ligada muito mais à linguagem, próxima da escrita, do que da arte que hoje enxergamos nela.
Os primeiros registros de escritas realmente sistematizadas e eficientes, diferentes dos ambíguos grafismos, traziam um diferencial fundamental: eram lineares. O simbolismo gráfico beneficia, relativamente à linguagem fonética, de uma certa independência: o seu conteúdo exprime, nas três dimensões do espaço, o que a linguagem exprime na dimensão única do tempo. Todas as escritas primitivas, salvo talvez o chinês antigo, possuem grupos de figuras coordenadas em sistemas não necessariamente lineares e sem possibilidades visíveis de uma leitura fonética contínua e passível de repetição exata. A conquista adquirida com a escrita foi precisamente a de fazer subordinar-se completamente à expressão fonética, pelo uso do dispositivo linear (Leroi-Gourhan, 1990) .
A suposta linearidade da escrita não deve ser confundida com a da fala. A escrita não é unidimensional como a fala. Ela permite uma série de direções onde essa linearidade pode ser expressa. O alinhamento trata da orientação do signo escrito em relação à superfície em que é inscrito; não há correlação no caso da fala (Harris, 1994). A direção, por sua vez, seria o resultado da aplicação de um princípio de seqüencialização às possibilidades fornecidas pelo alinhamento (idem). São três as direções a se levar em conta: a seguida pelos signos, em linhas ou colunas, a seguida por essas linhas ou colunas e uma terceira, resultado da combinação das duas primeiras e que vem a ser a direção obtida ligando-se com uma linha reta o primeiro signo ao último numa superfície.
Em uso atualmente, temos línguas que se escrevem em colunas verticais, de cima para baixo, da direita para esquerda (ex: chinês) e da esquerda para direita (ex: japonês) e escritas em linhas horizontais, de cima para baixo, da direita para a esquerda (ex: hebreu) e da esquerda para a direita (ex: português). Nenhuma língua em uso "corre" de baixo para cima, descreve círculos concêntricos ou altera sistematicamente a direção de suas linhas ( boustrofédon ).
Essas línguas citadas acima não utilizam o mesmo tipo de notação em seus sistemas. Exemplo de escrita realmente alfabética, dentre as citadas anteriormente, somente o português. Mas é o fato dessas línguas serem representadas através de sistemas lineares que impede que elas dependam de uma reconstrução do significado de seu simbolismo. No caso dos grafismos, como acontecia com os desenhos rupestres, especula-se que serviam com apoio para, por exemplo, a rememoração de um mito. Algo parecido com um livro infantil sem textos, usado por um adulto para narrar uma história. Os grafismos em si não representavam a linguagem verbal. Representavam figuras, talvez algumas vezes até idéias. Sua disposição representava alguma relação que mantinham entre si os elementos, não um desenrolar temporal de um discurso. A linearização da escrita subordinou-a à linguagem verbal, fonética e linear. O sistema de escrita deixa assim de ser um sistema paralelo em relação à expressão oral para fundir-se com ela num aparelho lingüístico único, instrumento de expressão e conservação de um pensamento, cada vez mais direcionado para o raciocínio (Leroi-Gourhan, 1990) . Não há mais dualismo entre expressão verbal e gráfica. Ambas obedecem à uma mesma linguagem.
Diferenças entre o alfabeto e outros sistemas de escrita
O sistema de escrita que usamos também é portador de características muito específicas. Nem todas as formas de se escrever fazem uso de um alfabeto . Existem diversas classificações propostas para identificação dos sistemas de escrita, poucas concordantes ou convergentes. A classificação mais conhecida é a que divide as escritas entre fonológicas e não-fonológicas. Estas seriam as que fazem uso de pictogramas e ideogramas – desenhos representando coisas ou palavras – e aquelas as que fazem uso de silabários e alfabetos – códigos representando unidades sonoras da fala. Esta divisão deixa o elenco dos sistemas de escrita, no mínimo, incompleto; precisaríamos somar a estes, pelo menos, os mitogramas e logogramas.
Os sistemas não-fonológicos seriam aqueles que não fariam referência à linguagem verbal, ou seja, seriam formas de expressão independentes da expressão oral. Algo semelhante a histórias em quadrinhos “mudas”. Todos os sistemas de escrita, com exceção dos de silabário e de alfabeto, seriam não-fonológicos. Isso não é exatamente correto. Alguns sistemas, como os de pictogramas, efetivamente não fazem um uso convencionado ou relacionado à linguagem fonética. Os pictogramas são desenhos reconhecíveis de alguma entidade como ela existe no mundo. É um tipo de escrita onde “ler” significa simplesmente reconhecer aquilo que está representado. Grande parte das placas de trânsito, como aquelas representando animais na pista ou homens trabalhando, podem ser consideradas pictogramas modernos. Porém não poderiam ser considerados mitogramas, já que não desenvolvem uma narrativa. O melhor exemplo de um mitograma seria aquele do livro infantil sem palavras, que pode conter tanto pictogramas como também pode incluir desenhos abstratos, desde que reconhecíveis ao enunciador do mito. Até aqui, estamos livre da indexação à linguagem fonética. Os dois próximos exemplos, ideogramas e logogramas, além de muito semelhantes, são usados para classificar algumas escritas que claramente reproduzem a parte fonológica de sua língua verbal, como a escrita cuneiforme, surgida no Ocidente-Próximo cerca de 3 mil a.C., em que alguns símbolos representavam palavras ou alguma parte do símbolo continha elementos lingüísticos. No entanto, a escrita cuneiforme é considerada ideográfica: seus símbolos ou não correspondem mais a uma aproximação pictórica com o objeto que representam ou representam conceitos abstratos. A escrita logográfica, por sua vez, é aquela onde os símbolos representam palavras. O chinês é o exemplo clássico, ainda que parcialmente incorreto: seus símbolos muitas vezes representam apenas partes de palavras. O maior problema destes sistemas é o enorme repertório de símbolos que precisa ser retido pelo usuário para um mínimo de domínio do sistema.
As escritas fonológicas se dividem, como vimos, em silábicas e alfabéticas. Nas escritas silábicas, cada símbolo corresponde a uma sílaba. O sistema japonês katakana é um dos exemplos mais conhecidos. Por último, nosso sistema de escrita, o alfabético. Com o alfabeto há uma correspondência mais ou menos direta entre os símbolos utilizados, as letras, e os fonemas, ou unidades mínimas de som. Ao invés de milhares de logogramas ou algumas centenas de sílabas, vinte a trinta símbolos dão conta de todo o repertório lingüístico de seus usuários. Mas entre os alfabetos existem também diferenças: alguns dentre eles representam apenas consoantes, outros vogais e consoantes. Os primeiros alfabetos surgiram aproximadamente em 1700 a.C., nas regiões da Palestina e Síria. Eram alfabetos consonantais, nos quais se basearam os alfabetos fenício, hebreu e árabe. Entre 1000 e 700 a.C., o alfabeto fenício foi adaptado pelos gregos, que adicionaram ou alteraram símbolos para representarem as vogais. Pela primeira vez um discurso podia ser transcrito de forma praticamente não-ambígua.
A principal diferença entre o alfabeto grego e seus precursores, os alfabetos consonantais e os silabários, não está exatamente no uso de vogais. A escrita Linear B grega também representava as vogais (Havelock, 1996b). O grande defeito dos silabários, mesmo dos que representavam as vogais, é tentar consignar o uso de um e somente um signo para cada som. Quando escrevemos estamos usando dois signos,
e , para representar um único som concreto “ba”. Um silabário usaria somente um. Os silabários trabalham numa base empírica de transcrição de sons. Já os alfabetos consonantais trabalham com a idéia de que as consoantes, não sendo sons propriamente, funcionam como códigos que indicam como variar a vocalização, ou seja, a emissão de vogais. Eles não marcavam a vocalização em si. Seria algo próximo a um silabário que, ao invés de representar em cinco símbolos , , , , , usavam apenas indicando essas cinco possibilidades. O leitor, segundo o contexto, decidiria qual.
O grande trunfo dos gregos foi aliar a idéia da consoante, este “não-som” segundo os gregos, ao registro da vocalização, ou seja, às vogais. Eles passaram a analisar a unidade lingüística em dois componentes teóricos, a vibração da coluna de ar e a ação da boca sobre essa vibração (Havelock, 1996b). Supriram as deficiências dos alfabetos consonantais e evitaram os excessos dos silabários. Enquanto os sistemas anteriores visavam reproduzir as unidades reais da fala na base de um para um, os gregos produziram um sistema atômico que fragmenta as unidades em pelo menos dois, e possivelmente mais, componentes abstratos. E pela primeira vez os signos usados na escrita passaram a ter nome, não literalmente uma reprodução do seu som, como nos silabários, nem o som da própria palavra, como no caso dos logogramas, mas nomes próprios, como alfa, sigma, kappa etc. e hoje, no português, éfe, agá, jota etc. para serem decorados mecanicamente, sem que seus nomes lhes vinculassem a algum sentido específico. O alfabeto tornou a escrita uma técnica que apaga a si mesma, que esconde seu rastro (Derrida, 1999) e portanto cessa de interpor-se entre o leitor e sua recordação da língua falada. O sentido passa a “soar” no cérebro sem referência às letras utilizadas.
A escrita e a conscientização da estrutura do discurso
À medida em que o uso do alfabeto foi se popularizando e sua arte dominada, suas características próprias foram resultando num crescente e gradual aumento da consciência a respeito do discurso oral. Aquilo que era tido como um fluxo contínuo, dependente de um ser humano para o enunciar, passa a ser visto como algo independente, concreto, composto de unidades menores e discretas.
O discurso, sendo transcrito em sinais gráficos eficientes, separa-se daquele que o pronunciou. O conteúdo das declarações feitas torna-se também independente, objetivado como pensamento, idéia, noções que têm existência própria. A comunicação escrita elimina a mediação humana contextual (quando alguém enunciava um mito, este mito vinha sempre “recontado”, sempre o mesmo mas sempre diferente). Disso resultou uma incessante prática de interpretação de textos. Quanto mais ambíguas as escritas em que se punham os discursos, maior a necessidade da interpretação. A Torá judaica é um bom exemplo disso, já que escrita em sistema alfabético consonantal, dando margem a muitas ambigüidades no texto, criou para si uma vasta tradição de exegetas. O hipertexto digital pode ser usado como metáfora para essas interpretações: ramificações semânticas dos textos originais, por vezes já muito distanciadas da época, do contexto e das intenções do texto (Lévy, 1993). A escrita criou a primeira rede de informações externa à memória humana (porém ainda analógica).
Essa objetivação, essa concretização do discurso sobre um suporte é também responsável pela busca de uma universalidade, pela busca de autonomia com relação às tradições e da ascensão do gênero teórico. O discurso, se não prescinde da tradição, pode ao menos sempre confrontar-se com ela, já que pode estabelecer seus próprios parâmetros interpretativos, sendo visto como uma idéia, e a tradição sendo vista igualmente como outra. E por ser visto abstraído de seu autor, pode-se pensar na existência de idéias por si mesmas, como fez Platão, à parte sua crítica à escrita. Essas idéias podem concretamente viajar pelo mundo afora, encontrando novas interpretações e desdobramentos, fundando “escolas” e se acumulando em bibliotecas. O pensamento humano abstraiu-se a si mesmo, separou-se do homem e transformou-se em objeto. Inclusive em objeto do próprio conhecimento humano.
Transferindo a manutenção das idéias da cabeça para um suporte concreto, o homem tirou de suas costas um peso psíquico (Havelock, 1996). Uma parte da atenção previamente concentrada na recitação de uma parte de um poema, por exemplo, vem a dirigir-se para a contemplação do conjunto, o que antes era impossível, pois a enunciação oral não se presta a uma análise mais demorada. Uma espécie de “energia” que antes não se achava disponível foi liberada: aquela utilizada para rememorar. As conseqüências disso se manifestaram em muitas esferas da atividade humana, além da comunicação em si. A liberação dessa “energia” mudou definitivamente nossos hábitos intelectuais (ibidem). Agora o discurso poderia ser efetivamente “visto” como um ser dotado de cabeça, corpo e membros, como apregoou a retórica clássica. Elementos gráficos como espaçamento entre as palavras (algo inexistente na oralidade), sinais de pontuação, títulos e sistemas de arquivamento e ordenação possibilitaram a visualização concreta de um exercício pragmático antes inconsciente. O aparecimento da imprensa vai abrir ainda mais possibilidades neste sentido, sem contar a vulgarização em massa de toda literatura. Mas quando isso vem a acontecer, seus principais efeitos o alfabeto já havia causado.
A escrita alfabética em seu surgimento
Porém, assim como a revolução eletrônica de hoje suscita críticas ferrenhas e louvores entusiastas, a escrita alfabética, em seu surgimento, encontrou repúdio e acolhimento por parte dos gregos. Platão foi provavelmente o primeiro a refletir demoradamente, e ao longo de toda sua obra, em questões que hoje julgamos pertinentes à linguagem, aos signos, à escrita. Mas Platão, como nós mesmos hoje, encontrava-se imerso numa cultura ainda muito devedora de seus parâmetros anteriores, ou seja, de sua tradição; e no seu caso, a força exercida por aquela tradição era maior ainda.
A escrita alfabética deve ter aparecido entre os gregos em torno do século VIII a.C. (Havelock, 1996b). Não devemos, contudo, acreditar que essa data representa também um período em que a cultura grega era já letrada. Existe, entre a descoberta de uma nova técnica, sua dispersão e finalmente seu domínio, tempos de evolução, estagnação e, inclusive, retrocesso. Podemos descrever alguns destes estágios como pré-letrados , perito-letrado, semiletrado, de recitação letrada, de cultura letrada escritural, de cultura letrada tipográfica (ibidem) e, agora, de cultura letrada digital (sem falarmos sobre ou relacionarmos à cultura iconográfica). A Grécia antiga, como qualquer estado moderno, não poderia alfabetizar sua população de uma hora para outra. Acredita-se que a alfabetização começou a se tornar comum no séc. V a.C.
A Grécia deve ter sido, a princípio, perito-letrada, ou seja, apenas algumas pessoas especializadas mantinham o domínio da técnica da escrita. Mas essas pessoas não formaram nenhuma elite (ao contrário do que aconteceu durante a idade média); na verdade, os primeiros perito-letrados foram os artífices gregos, e o domínio da escrita era tido como nenhuma elevação intelectual, mas sim como um artifício técnico qualquer. O escriba grego tinha, a princípio, tanta (talvez menos) importância quanto um carpinteiro. A escrita em si mesma não era valorizada, pois “prejudicava a memória” e “estava três vezes distante da verdade”, segundo nos legam os textos platônicos.
É importante, para Platão, saber como se conhece e através de que se conhece. Sua época é de mudanças: a tragédia e a poesia começam a ser deixadas de lado como sistemas únicos de transmissão de cultura, substituídas progressivamente pela escrita. A palavra grammatikós entrou em uso, designando uma pessoa capaz de ler, somente no séc. IV a.C (Havelock, 1996b). O modo de pensamento começa a tornar-se filosófico e analítico, não mais mítico, nem paratático. Platão vai negar aspectos fundamentais da cultura oral na República, condenando a poesia, e vai condenar igualmente a escrita no diálogo Fedro. Ele defende o pensamento analítico, mas não o percebe como fruto da técnica da escrita. Ele defende a memória como sinônimo de inteligência, sem perceber que ela era mantida viva às custas dos expedientes da poesia. Toda essa concepção platônica a respeito de linguagem continuou vigente, de certa forma, até hoje. Mesmo grande parte das releituras que negaram as “teorias” platônicas sobre a linguagem mantiveram vivos, sem perceber, conceitos fundamentais deste logocentrismo (Derrida, 1999).
Esta metafísica da escrita fonética, ou logocentrismo, é a crença de que a origem da verdade encontra-se na presença do lógos e de que – como na escrita é onde o lógos não está – a ciência deve expressar-se através de sistemas de notação não-fonéticos (Derrida, 1999). Para isso toda filosofia e ciência, toda história e literatura, devem apagar de suas consciências o uso da escrita; elas fazem um uso recalcado da escrita fonética. Foi por isso que vimos, durante 2500 anos, erguerem-se religiões e filosofias e histórias e lingüísticas e etc. que acreditaram numa verdade enunciada e numa escrita morta. Por isso o único espaço científico que acolheu a escrita foi a mesa de dissecações da filologia. E dali para o mausoléu dos dicionários (mas a ordem pode ser invertida).
O que não pôde surgir até hoje foi uma verdadeira Ciência da Escrita . A partir desse novo ponto de vista proporcionado pelo surgimento das novas técnicas comunicacionais, talvez seja possível agora a configuração e o estabelecimento desta ciência. Avanços foram feitos. Muitos campos do saber colaboram, porém todo esse esforço ainda não é conjugado, muito menos comum, ou sequer coordenado. Por mais transdisciplinar que venha a ser uma ciência da escrita, ela precisa ser coesa, ter seu lugar e ganhar a ordem do dia.
Duas ciências emergentes nestes estudos têm sido a semiótica e as ciências cognitivas. Um pouco atrasadas em relação às outras no que diz respeito ao estudo dos sistemas de escrita, estas ciências tiveram o trabalho de se desvencilhar de uma série de paradigmas ultrapassados e obsoletos que obscureciam seu desenvolvimento. Mas hoje, ao se olhar o trabalho erigido dentro destas disciplinas – um trabalho metódico e longe das luzes ofuscantes dos assuntos do momento – pode-se ver que os passos dados estão levando mais longe que todos os outros avanços alcançados, graças mesmo às férteis discussões e esforços para superação dos entraves comuns neste âmbito.
O papel das Ciências Cognitivas e da Semiótica na configuração de uma Ciência da Escrita
As primeiras abordagens da escrita que se utilizaram da moderna teoria dos signos, ou seja, daquela fundada principalmente na semiótica de Charles S. Peirce e na semiologia estruturalista desenvolvida a partir da proposta de Saussure, começaram a aparecer desde o último quartel do século XX.
Os escritos de Peirce (1839-1914) propunham uma definição e uma classificação muito mais rigorosa dos signos, baseadas em sua visão pansemiótica (Nöth, 1998) do mundo e condizentes com sua filosofia, batizada pragmatista. A absorção, muitas vezes de maneira lenta e indireta, destas novas idéias pela intelectualidade mundial resultaram no rompimento com velhos preconceitos e no surgimento de novas perspectivas em praticamente todos os âmbitos científicos, efeitos estes que são sentidos até hoje ( Ketner, 1995) . A influência de Peirce nas primeiras abordagens semióticas da escrita ainda aparece de modo difuso, como por exemplo na crítica ao fonocentrismo (Derrida, 1997), mas começa a tornar-se mais óbvia e direta com o desenrolar do tempo, e.g. Watt (1989, 1998), Harris (1994), Röhr (1994).
A influência da semiologia nota-se ainda mais, já que seus laços com a lingüística são mais evidentes e um certo conhecimento desta disciplina parecia indispensável para quem ousasse lançar-se sobre a escrita. Uma concepção pioneira da escrita como sistema semiótico autônomo foi proposta por Uldall (1944, citado por Nöth, no prelo), baseado na glossemática de Hjelmslev, que era por sua vez um desenvolvimento rigoroso das teorias de Saussure. Muitas outras propostas também apareceram, porém suas evidentes influências semiológicas muitas vezes estavam implícitas em seus métodos, quase inconscientemente aplicadas. Como exemplos de exceções temos Ruiz (1992), Mulder (1994).
Um outro tipo de estudo, que interessava-se pelas conexões entre a escrita e o pensamento, ou seja, pelos aspectos cognitivos da escrita, começou a aparecer mais ou menos na mesma época e chamou-se psicologia cognitiva. Existem numerosos estudos nesta área, tendo suas bases em Vygotsky e Piaget, que se propuseram a explicar o funcionamento da escrita e da leitura e seus processos de aquisição, principalmente através da observação de crianças. A psicologia cognitiva pode ser considerada parte das chamadas ciências cognitivas, um agregado transdisciplinar que, de diferentes pontos de vista (mas visando a formação de uma metodologia única), estuda a cognição. As ciências cognitivas desenvolveram-se bastante nas últimas décadas do século passado, e um de seus motes foram as representações mentais. Valendo-se dos resultados de pesquisas antropológicas e lingüísticas e dos avanços nas neurociências, também foram estudadas as representações mentais e os padrões perceptivos relacionados com diferentes sistemas de escrita, e.g. Kerckhove e Lumsden (1988), Watt (1994) e Olson (1996).
As aproximações entre os estudos de cunho semiótico e os cognitivos são relativamente recentes. Todavia os paradigmas semiótico e cognitivo não são de maneira alguma incompatíveis (Nöth, 1998); pelo contrário, a semiótica, como uma Grundlagenwissenschaft (Walter, 1984 citado em Sebeok, s/d), ou seja, uma ciência fundadora, de base, deve ser tomada como pressuposto teórico das ciências cognitivas.
É dentro deste novo quadro teórico híbrido que está se desenhando uma das grandes facetas desta nova Ciência da Escrita , responsável por desvendar o funcionamento sistêmico da escrita em seus níveis sígnicos e cognitivos. A produção dos estudiosos desta área em desenvolvimento ainda não é vultuosa nem mesmo possui um paradigma unificado, porém é notoriamente promissora e de grande interesse científico. (http://www.cienciasecognicao.org/artigos/m32410.htm)
Qual a contribuição das ciências cogntivas para os estudos sobre a escrita?
39. O que, realmente, no campo da escrita, significa o processo de decifração? (p.178-179)
40. Fale das três etapas na produção da linguagem(176-177)

E-mail: vicente.martins@uol.com.br





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